O XVI Congresso do PS acontece em ano crucial e de crise, com três eleições à porta: europeias, autárquicas e legislativas. Está em disputa a eleição de 40 mil cidadãos do vértice europeu até à base da junta de freguesia, passando pela Assembleia da República e pelo Governo.
Estas eleições acontecem num tempo de crise interna (do país), económica, financeira e mesmo social, reflexo sobretudo, da crise mundial.
Seria autista o Congresso do PS se debruçasse, como prioridade, sobre os seus problemas internos, as suas alegadas dissidências e as suas conjunturais divergências, quando os problemas externos são bem mais prementes.
Nenhuma estratégia partidária, por muito justo e compreensível que seja, se pode sobrepor à necessidade da resolução dos problemas nacionais.
E o PS foi avisado neste capítulo, não caindo na tentação do imediatismo mediático, tão volátil como a espuma.
As divergências, a existirem neste momento no interior do PS, não são estruturais, antes conjunturais; mais de método que de ideologia, na interpretação de medidas avulsas e não no corpo legislador e reformista que tem enformado os últimos quatro anos.
É ilusório imaginar o socialismo desfazado do seu tempo, como um corpo estático. Começou com uma grande carga libertária no século XIX entre o proudhonismo e o marxismo, quando os Direitos Humanos ainda não estavam garantidos ( e nesta luta o socialismo foi pioneiro e paladino), a revolução industrial estava em marcha com grandes convulsões no mundo do trabalho, uma das causas dos grandes movimentos migratórios dos países europeus, sobretudo da Inglaterra, fugindo à miséria, rumando em direcção ao Novo Mundo, preferencialmente a América e a Austrália.
O ideal socialista, em Portugal, foi sujeito a uma permanente evolução, acompanhando e participando na evolução da sociedade portuguesa.
Os primeiros representantes do socialismo português, Antero de Quental, José Fontana e Azevedo Gneco ( leia-se Nheco, porque o nome é italiano), entre outros, defenderam um socialismo de inspiração marxista e crítico do republicanismo. Já Oliveira Martins defendia um socialismo cesarista.
Na sua evolução ao longo de mais de um século, o socialismo manteve contudo a sua matriz: as causas da solidariedade social e uma melhor e mais equânime distribuição da riqueza.
Muitas das lutas que os socialistas travaram já estavam ganhas. Era necessário propor-se a outras, com a Democracia.
O que aconteceu com o PS, logo após o 25 de Abril, aconteceu com outros partidos com vocação de poder. No primeiro Congresso do então PPD, em Novembro de 1974, ainda o marxismo era fonte de inspiração, com está publicado nos seus primeiros estatutos.
Os tempos mudaram, melhor dito, a sociedade foi mudando, e hoje há nos estatutos de qualquer partido artigos datados que tiveram de ser eliminados. O primeiro a dar o exemplo foi o PCP quando no Congresso Extraordinário de Outubro de 1974 apagou dos seus estatutos a ditadura do proletariado que, a par do centralismo democrático e da regra de ouro de maioria operária na sua direcção (mesmo que muitos já não fossem operários há mais de 20 anos, mas apenas funcionários do Partido),eram os pilares do pensamento marxista-leninista.
Neste momento, como ficou patente no Congresso, o que está em causa na sociedade portuguesa ultrapassa os partidos enquanto órgãos produtores de doutrina e pensamento, mas responsabiliza, sobretudo o PS que está no Poder, pela procura de soluções para uma crise que, tendo algumas componentes internas, é sobretudo refém de uma crise internacional e de uma Europa que se questiona a si mesma, no seu destino e na relação com os outros.
É fácil o uso da retórica, como arte de persuasão, mais fácil do que o exercício do poder, como o caminho para uma solução.
É cómoda a divergência que assenta em abstracções não exequíveis com a gravidade dos problemas. A dissolvência é corrosiva, nunca alternativa; não trás nada de positivo em si.
E falar e autodenominar-se alguém como referência histórica é adiantar-se à História, não esperar pelo juízo que ela possa fazer e – parece-me – ser mais uma referência umbilical, entre o eu e o mim, do que outra coisa.
E como é que a Comunicação Social se comporta?
Hoje, para estar a “l’air du temps”, o mais “politicamente correcto” é atacar Sócrates e o PS. O patrão não se zanga.
Mas há causas mais profundas e que já vêm de longe. Na década de 80, concretamente com o aparecimento do Independente ( o jornal português que mais processo teve no curto passar da sua existência), dirigido por Paulo Portas, o jornalismo alterou-se, movendo-se e sobrevivendo entre a sarjeta política e a sarjeta social.
Com a fusão dos jornais e nascimento das televisões privadas, mas com ligações a outros órgãos de Comunicação Social, seja na imprensa, seja na rádio, pertença de grandes grupos económicos, já não foi possível limpar as estrebarias.
Com a generalização do recibo verde e a proliferação de cursos de Comunicação Social ( excedentários em relação às necessidade do mercado) foi criado um batalhão de jornalistas e “jornalistas”, sem direitos, fragilizados, porque a um acto de rebeldia ou consciência cívica mais determinada, respondem cinco ou dez candidatos também de recibo verde e à espera e capazes de fazerem todos os serviços com a orientação editorial que as chefias lhe encomendam.
E não estou a condená-los nem sequer a emitir um juízo de valor. Estou apenas a constatar um facto.
Houve recentemente uma greve num grupo de Comunicação Social ( dos maiores, com jornais que se assumem de referência . Nem uma manchete, nem um gesto solidário, porque já não há uma classe de jornalistas, há sim empregados da Comunicação Social.
É neste universo de liberdade condicionada, de constrangimento cívico que os jornalistas, melhor dito, os jornais e as televisões que acompanharam o Congresso do PS se situam. O que lhes interessava era o acessório, não o principal. E desconfio que nenhum deles terá lido as moções ao Congresso.
E gritaram: não nos deixam andar por onde nós queremos.
Era o que faltava! Já não bastava que seja violada a privacidade pessoal para ser violada a privacidade política. E o que é que eu entendo por privacidade política? Uma reunião de órgãos de um partido, uma reunião do executivo autárquico, uma reunião do conselho de ministros, etc. Para as conclusões existe sempre um porta-voz.
Muito mais haveria a dizer, mas fico-me por aqui. Já me alonguei demais, pelo que peço desculpa.
Rogério Rodrigues